Avançar para o conteúdo principal

Entre o incentivo e a injustiça


O Decreto-Lei n.º 134/2023, publicado a 28 de dezembro em Diário da República, aprovou o prémio salarial de valorização das qualificações no mercado de trabalho. Esta medida, mais conhecida como “devolução das propinas”, consiste num incentivo financeiro à permanência de jovens qualificados em território nacional e uma recompensa pelo prosseguimento de estudos superiores.

A medida abrange todos os contribuintes residentes em território nacional, até aos 35 anos de idade. Os licenciados e mestres passam a ter direito a receber anualmente um prémio salarial no valor de 697 euros por cada ano de licenciatura e 1500 euros por cada ano de mestrado.

De acordo com os dados do XXIII Governo Constitucional de Portugal esta medida tem um impacto orçamental anual de 215 milhões de euros. A meu ver, trata-se de um esforço financeiro significativo por parte do Estado português, sobretudo quando comparado com os resultados práticos que produz.

Os dados mais recentes indicam uma elevada percentagem de jovens que manifestam a intenção de emigrar. Por exemplo, um estudo conduzido em 2024 pelo Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica, revela que 55% dos jovens portugueses, com idades entre os 18 e os 35 anos, ponderam sair do país. Parece-me evidente que não serão 697 euros por cada ano de licenciatura ou 1500 euros por cada ano de mestrado, suficientes para contrariar esta intenção.

Para além disso, a cada ano letivo que passa, os custos suportados pelas famílias portuguesas para a frequência no Ensino Superior tornam-se mais elevados. Entre os obstáculos que os estudantes enfrentam, destacam-se a escassez de alojamento estudantil para os estudantes deslocados, o valor das propinas, taxas e emolumentos cobrados pelas Instituições de Ensino Superior, bem como o aumento do preço dos bens essenciais, entre outros fatores. Neste contexto, a medida de devolução das propinas revela-se injusta para com os estudantes do Ensino Superior, ao desconsiderar as dificuldades financeiras que estes e as suas famílias enfrentam diariamente.

A ação social tem o objetivo de promover a igualdade de oportunidades no acesso e na frequência do Ensino Superior, através de medidas e apoios financeiros e sociais destinados aos estudantes carenciados. No entanto, muitos estudantes não são abrangidos por este sistema ou, quando são, os apoios atribuídos revelam-se insuficientes para cobrir as suas reais necessidades. Por isso, é fundamental reforçar o sistema de ação social do Ensino Superior nos próximos anos, de forma a responder eficazmente aos desafios que os estudantes enfrentam ao longo do seu percurso académico.

Em suma, o atual executivo governativo deverá revogar o Decreto-Lei n.º 134/2023, assumindo com responsabilidade as eventuais consequências dessa decisão política. Só assim, será possível redirecionar o financiamento de uma medida injusta para o sistema de ação social, garantindo a aproximação a um ensino superior mais justo e equitativo.


Gonçalo Nogueira
Enfermeiro, vice-presidente da JSD Castelo Branco


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mariana Mortágua e Fernão de Magalhães. Qual o mais revolucionário?

Como dizia Miguel Cervantes: “Não existe maior loucura no mundo do que um homem entrar no desespero.”  Parece-me que a política portuguesa colocou Mariana Mortágua num estado de total desespero, e aceitar viajar duas semanas ao lado de Greta Thunberg é a maior prova de insanidade. “Navegar é preciso” Foi este o mote com que Mariana Mortágua finalizou o seu discurso. E, como habitual, os dogmas não faltaram... “The world is being saved by the Palestinian people.” Foi a frase que ficou. Não só pela demagogia, mas também pelo aproveitamento político. E com isso, gostava de questionar a grande navegadora Mariana Mortágua sobre o seguinte: Estamos a ser salvos de quê? Não vi nenhum palestiniano a apagar incêndios. Não vi nenhum palestiniano a defender o estado português. Mas se houve coisa que não vi, nem vejo, foi um povo livre em Gaza. Para Mariana Mortágua, esta viagem é um autêntico tiro nos pés, é a prova da hipocrisia, mas não acaba por aqui... Nas mesmas declarações disse o segui...

O “algoritmo P” e o caso Felca: a adultização nas redes sociais

  No dia 7 de agosto deste ano, o criador de conteúdos brasileiro Felipe Breassamin Pereira, mais conhecido como Felca, publicou um vídeo de 50 minutos no YouTube que chocou a Internet. Nele, denunciou a exploração de menores constante que acontece debaixo dos nossos narizes todos os dias nas redes sociais. A publicação, de carácter sensível e, no mínimo, angustiante, acumulou 49,5 milhões de visualizações em apenas três semanas. Apesar de tudo o que escrevo aqui, nada substituirá a visualização do vídeo, que pode ser encontrado no canal de YouTube do Felca e que recomendo a todos, especialmente aos pais e/ou aos responsáveis por menores. Grande parte dele gira em torno do caso específico de Hytalo Santos, um dos mais chocantes no momento, mas, infelizmente, não o único. Do grupo organizado por Hytalo fazem parte vários menores de idade, tanto rapazes como raparigas, que são constantemente gravados, expostos e publicados nas redes sociais nos mais variados contextos: desde menore...

Juventude que encara os partidos políticos como clubes de futebol

Os grupos de eleitores mais velhos têm desvalorizado a opinião jovem constantemente: ou porque não viveram o tempo da Troika já na vida adulta, ou porque simplesmente são “demasiado novos para perceberem de política”. A verdade é que, apesar de os jovens serem o futuro do país e a força que o conduzirá, uma parte deles prova, inconscientemente, não estar à altura do debate político. Infelizmente, uma quantidade significante da juventude tem formado cada vez mais a sua opinião política com base nas redes sociais em debates frequentemente reduzidos a “memes”, clipes de poucos segundos e estereótipos. Isto, mesmo que não pareça, tem consequências graves para a democracia. Este aumento crescente de “palas nos olhos” que impedem os eleitores de olharem para a periferia e os limitam a ver na mesma direção provoca a sua aderência, por vezes subtil, a discursos populistas e manipulados, que parecem defender a juventude, mas que, na verdade, só a ilude com frases fáceis, com o que querem ouvir ...